Durante o governo Bolsonaro, diversos jornalistas e veículos de imprensa foram alvos de ataques diretos do presidente e de seus aliados. Neste domingo (01), é comemorado o Dia da Imprensa, e o Notícia Preta entrevistou a jornalista e doutora em Comunicação e Cultura, Bruna Távora, que entende que a “estratégia da extrema-direita mundial consiste em descredibilizar jornalistas, cientistas e médicos”, afirmou.
A crise das “autoridades epistêmicas”
Ao ser questionada sobre os efeitos de longo prazo da hostilidade do governo Bolsonaro contra a imprensa, Bruna Távora explicou que a ofensiva não é isolada no contexto brasileiro, mas parte de um fenômeno global articulado pela extrema-direita.
“Então, o primeiro é o discurso anti-imprensa. O discurso de descredibilização do jornalista da estratégia do governo Bolsonaro, acho que a gente pode ver ele de dois moldes. Primeiro é que essa não é uma estratégia só da extrema-direita brasileira, essa é uma estratégia da extrema-direita mundial, que consiste em descredibilizar o que alguns autores estão chamando de autoridades epistêmicas. Quais são as autoridades epistêmicas que as extremas-direitas estão descredibilizando? Jornalistas, cientistas e médicos. Então, o negacionismo científico, o negacionismo em relação à questão das vacinas, os ataques à imprensa.”
Ela prossegue detalhando as consequências dessa deslegitimação, que para ela suspende a noção de verdade da sociedade. “Suspendem a ideia de que existe uma verdade a ser conhecida e constrói uma percepção sobre a realidade de que existem tantas narrativas, tantas realidades que, na verdade, não tem uma narrativa verdadeira. Só existem pontos de vista”, explica.
A desconfiança histórica da mídia no Brasil
Sobre os efeitos desse discurso na relação da sociedade civil com os meios de comunicação, Bruna destaca um elemento histórico central: a relação entre mídia tradicional e poder político no Brasil. Para a professora, o Brasil tem uma tradição ruim, um histórico de monopolização dos meios de comunicação e um engajamento dos meios de comunicação com os sistemas políticos.
“A Rede Globo fez até uma desculpa pública por ter participado da ditadura. Tem outro exemplo marcante, que foi a edição do debate presidencial entre Fernando Collor e Lula, que ficou também muito evidente como que os meios de comunicação eles tomavam um lado, eles também produziam discursos que a gente pode hoje falar de discursos desinformativos”, afirmou.
Ela pontua que o cenário já era de crítica, mesmo antes de Bolsonaro, o que reforça os efeitos da retórica bolsonarista. Bruna explica que o contexto de perda de autoridade epistêmica, se dá na sociedade brasileira, que também não tinha a imprensa com bons olhos.
Quando perguntada sobre a percepção pública em relação à mídia, a pesquisadora é categórica:
“Certamente houve um aumento da desconfiança. Então, com base nisso que eu falei anteriormente, esse aumento da desconfiança se deu a partir dessa estratégia de você desestabilizar os tradicionais gatekeepers. Então, essa ideia de que o jornalismo era um mediador das informações, ela fica enfraquecida”, diz.
A ausência de regulação das plataformas
Bruna também aponta falhas nos mecanismos institucionais que permitiram a impunidade nos ataques à imprensa, destacando a falta de regulação das plataformas digitais.
“Sobre os mecanismos institucionais. Se a gente considerar que a maioria desses discursos, discursos anti-imprensa, eles circularam em plataformas digitais, certamente a regulação das plataformas digitais, a lei do Marco Civil, a PL dos fake news, que não andou pra frente, certamente essas regulamentações que buscam regular as plataformas e expor o quanto aqui essas plataformas digitais se tornaram mediadores da informação.”
Ela acrescenta que mesmo com legislações, o poder dos grandes atores institucionais impõe limites à eficácia dessas ações, pois há limites de como a legislação e a regulação também funcionaria para esses grandes atores institucionais.

Fortalecimento do jornalismo independente
Apesar do cenário adverso, Bruna identifica que o jornalismo independente e investigativo ganhou força no período, destacando experiências concretas. Ela entende que desde a crise desde 2013 com a Jornada de Junho, o jornalismo de um modo geral, com a atenção de como as redes sociais cobriram o evento, de como houve uma mobilização através das plataformas digitais, desde 2013 houve um marco de mudança na forma do fazer jornalístico, na rotina de produção jornalística.
Ela cita projetos que representam essa nova forma de atuação:
“Por um lado, isso é visto como uma oportunidade para jornalistas que de alguma forma expõe mais suas agendas, se vinculando, por exemplo, a tema. Como direitos humanos. A gente está falando de um conjunto de pequenos veículos jornalísticos, que não reproduzem aquela lógica de um jornalismo neutro, objetivo e sem lado. Ao contrário, exacerbam essa dimensão de um jornalismo investigativo a favor dos direitos humanos”, argumenta.
Preparando-se para governos autoritários
Ao fim da entrevista, a doutora em Comunicação oferece reflexões importantes sobre os caminhos que jornalistas e cursos de jornalismo devem seguir frente à possibilidade de novos governos autoritários. Para preparar melhor os profissionais da imprensa, ela acha que não se deve abandonar certas noções que caracterizam a rotina de produção jornalística, rotinas, critérios e formas do fazer jornalístico que elas caracterizam a profissão.
E propõe ações concretas que fortalecem a profissão diante de riscos:
“Uma radicalização do uso de fontes, uma radicalização em ser transparente com o leitor sobre como aquelas fontes foram adas, uma busca por trazer diversas vozes envolvidas no contexto do que está acontecendo”, diz.
Ela finaliza destacando a importância da coletividade profissional:
“Então, eu acho que talvez a atuação de grupos de jornalistas organizados através de seus sindicatos, através de suas associações profissionais, pode ser um caminho, porque daí existe uma proteção maior do que o jornalista individual.”
Leia mais notícias por aqui: Anielle e Lupi podem ter recebido até R$750 mil por cargo em empresa privada: “Não me parece correto”, diz especialista